Antes de viver uma das experiências mais intensas que um torcedor pode imaginar, Saulo Camelo, já carregava uma longa história de amor pelo futebol americano.
O interesse começou cedo, ainda nos anos 2000, quando começou a assistir os jogos na TV a cabo e jogar a franquia Madden NFL e, aos poucos, foi aprendendo as regras e se encantando com aquele universo que até então era distante.
Entre gráficos de videogame e transmissões esporádicas na TV, um time em especial chamou sua atenção: o St. Louis Rams, com seu capacete azul e dourado brilhando na tela, era a era de Kurt Warner, Marshall Faulk e do "Greatest Show on Turf".
Paixão indo além da tela
Mas a paixão foi além da tela. Mesmo depois de uma tentativa de jogar como QB ainda na adolescência, veio a frustração quando foi colocado na linha ofensiva, reencontrando o esporte em 2015, numa seletiva do Corinthians Steamrollers. Desde então, não parou mais. E hoje defende as cores do Guarulhos Royals, jogando flag football, e sendo coordenador ofensivo do time com a mesma dedicação de sempre.
Entre treinos, jogos e parcerias entre os clubes, Saulo segue em campo alimentando a mesma chama que começou lá atrás, no controle do videogame.
Primeiros passos para LA
Mas a jornada que vou contar hoje não começa em Los Angeles, palco do Super Bowl LVI, mas num apartamento em São Paulo, ainda nos resquícios da pandemia. A prioridade do casal era outra: o casamento planejado para maio, previamente adiado por conta da COVID-19. Mas um time começava a mudar tudo. O Los Angeles Rams vinha forte na temporada de 2021, impulsionado pela chegada do quarterback Matthew Stafford. E com cada vitória, crescia um sonho.
“Se o Rams for para o Super Bowl, eu vou para Los Angeles”
Repetia Saulo a cada rodada. Para muitos, uma promessa improvável. Para Catherine, sua até então noiva, uma piada recorrente até virar realidade.
O Super Bowl seria em Los Angeles, a cidade dos sonhos de Saulo. Quando o Rams carimbou o passaporte para a grande final após vencer o NFC Championship, não houve mais como segurar. Saulo anunciou: “Estou comprando passagem. Você vem comigo”.
Faltavam menos de duas semanas para o jogo. O casamento, agendado para maio, era até então o foco do casal. Mas ele estava determinado. Catherine, que torce pelo Giants, aceitou ir junto.
E foi aí que começou a saga.
Ingresso inalcançável
Comprar ingressos para o Super Bowl, descobriu o casal, é uma odisseia. Os sites oficiais recusavam transações feitas fora dos EUA. Eles tentaram usar o cartão de amigos, era um cartão pré pago. Sem sucesso e o valor não foi estornado automaticamente, somente após o Super Bowl eles receberiam o dinheiro de volta.
Tentaram ligações para a NFL e conversaram com atendentes e explicaram a situação dos ingressos comprados internacionalmente, mandaram mensagens para jogadores do Rams no Instagram, até para a esposa do Stafford, tudo em vão.
Foi quando Catherine lembrou de uma tia distante que morava em Miami. Ela e o marido americano aceitaram emprestar o cartão de crédito. Finalmente, os ingressos foram comprados. Mas não sem mais um perrengue: um dia antes do embarque receberam uma mensagem da NFL falando que os tickets físicos foram enviados para Miami, e não para Los Angeles, e para piorar a tia de Catherine estava em uma viagem em Las Vegas, outro lado do país.
Fizeram mais um telefonema para o "SAC" da NFL depois, a entrega foi redirecionada para L.A., porém para retirá-los não seria tão fácil assim. Era necessário apresentar o cartão de crédito do comprador que estava em as vegas. Então foi feita uma carta de autorização e todos os dados repassados à organização.
Quando tudo parecia que estava resolvido, a jornada estava longe de acabar.
VPN, imigração e um passo para o paraíso
Ao chegar aos EUA, a dupla foi recebida com desconfiança na imigração. “Vocês vieram só para o Super Bowl? Sério?”, perguntavam. Em Los Angeles, descobriram que o papel era um ticket para festa pré-jogo, o famoso Tailgate, os ingresoss reais estavam no aplicativo Ticketmaster. Nisso, descobriram que o app não abria no celular deles devido ao IP brasileiro e precisava ser um americano.
Foram até lojas de celular, tentaram ajuda de TI no Brasil, até que, com uma gambiarra envolvendo VPN no navegador Opera, conseguiram abrir o ingresso no app. Era sábado à noite, véspera do jogo. A missão foi cumprida.
No domingo, caminharam rumo ao imponente SoFi Stadium, com corações acelerados. Quando o ingresso finalmente passou no scanner do estádio, os dois se entreolharam, comemoraram e choraram. “Finalmente estamos aqui”.
Chegou o Super Bowl LVI
O estádio estava tomado por torcedores de todos os times, mas principalmente por fãs de Bengals, famintos pelo primeiro título. Catherine se lembra do nervosismo de Saulo: “Ele chorava no segundo tempo.”
Faltando 1 minuto e 25 para o fim, com o placar apertado, Stafford lançou o passe da virada e Cooper Kupp marcou o touchdown. Vitória dos Rams por 23 a 20.
Ao lado, um torcedor americano, de tanto que Saulo berrava, lhe entregou sua toalha comemorativa a Saulo e disse: “Você merece mais que eu”. O casal ficou até o último segundo no estádio. “Queria ficar ali, pra sempre”, disse ele.
Um marco na história
Hoje, Saulo olha para trás e diz com certeza:
“Se ganhar de novo, legal. Mas nunca vai ser igual ao que vivemos”.
Essa história não é só sobre futebol americano. É sobre amor, sacrifício, confiança e um pouco de loucura. Uma lembrança viva de que, às vezes, vale a pena apostar tudo por um sonho.