A NFL está de volta ao Brasil. No dia 5 de setembro de 2025, a Neo Química Arena, em São Paulo, será palco do confronto entre Los Angeles Chargers e Kansas City Chiefs, marcando o segundo jogo oficial da liga no país
Com ingressos esgotados em minutos, ativações de marcas internacionais e cobertura midiática de alcance nacional, o evento deve repetir o impacto econômico da estreia em 2024, quando o jogo entre Philadelphia Eagles e Green Bay Packers movimentou R$ 337,7 milhões.
Mas por trás da euforia está um contraste gritante: Enquanto a NFL avança no Brasil com apoio de patrocinadores bilionários, o futebol americano nacional segue marginalizado, sem apoio governamental, infraestrutura básica ou visibilidade real. A festa da NFL no Brasil, embora empolgante, expõe uma realidade incômoda, o esporte praticado pelos brasileiros continua à margem, invisível até mesmo dentro do próprio nicho que tenta popularizar.
A desigualdade que o espetáculo não mostra
A diferença de investimentos entre o futebol americano da NFL e o praticado em solo brasileiro é brutal. Enquanto a liga americana movimenta centenas de milhões de reais em uma única partida, com apoio logístico de estádios de padrão FIFA, patrocínio de grandes bancos e cobertura internacional, as ligas nacionais, sobreviveram em 2024 e sobrevivem até hoje com um orçamento amador.
Mesmo com cerca de 17 mil atletas ativos, segundo último levantamento de 2018 realizado pela CBFA, os times brasileiros operam à base de doações, rifas, vaquinhas online e mensalidade de seus atletas. São também, os jogadores que bancam seus próprios equipamentos, capacetes que podem passar dos R$ 2 mil, ombreiras que passam dos R$ 1 mil, uniformes, passagens para jogos e treinam em campos de várzea, sem assistência médica, sem bolsas universitárias, sem estrutura de alto rendimento.
O contraste não é apenas financeiro, É ESTRUTURAL. O jogo da NFL no Brasil envolve cerca de 100 atletas, staff e executivos que chegam em voos fretados, se hospedam em hotéis cinco estrelas e jogam sob holofotes internacionais. Já no cenário nacional, atletas amadores dividem caronas, enfrentam longas viagens rodoviárias e, muitas vezes, jogam sem sequer contar com o básico de primeiros socorros.
Elitização e acesso: Para quem é esse futebol?
Outro ponto crítico é o acesso. Os jogos da NFL no Brasil têm ingressos com preços que variam de R$ 300 a R$ 2.500. Valores proibitivos para grande parte da população. A pré-venda costuma ser exclusiva para clientes de instituições financeiras de elite, como a XP Investimentos.
Isso reforça o caráter elitizado do evento, que se posiciona mais como entretenimento corporativo premium do que como uma verdadeira celebração popular do esporte. A arquibancada, em vez de reunir praticantes, técnicos ou torcedores engajados das ligas nacionais, se transforma em uma vitrine de networking de alto padrão, com celebridades, influenciadores e executivos que, em muitos casos, sequer acompanham o esporte com profundidade.
A expansão da NFL no Brasil, nesses moldes, pouco contribui para a democratização do esporte. Pelo contrário, reforça uma lógica de espetáculo importado, inacessível para quem realmente constrói o futebol americano no país, nos treinos de domingo, nos jogos regionais, esquecidos pelo poder público.
Apagamento cultural e ausência de política pública
A ausência de incentivo estatal ao futebol americano é reflexo de um problema maior, a visão limitada sobre o que é "esporte" no Brasil. Em um país onde o futebol (o de bola redonda) domina todos os recursos, outras modalidades raramente recebem investimentos estruturais. O futebol americano, mesmo com crescimento constante nos últimos 15 anos, permanece fora de editais de fomento, sem apoio das universidades, das escolas ou das federações esportivas tradicionais.
A ausência de políticas públicas esportivas diversificadas gera um duplo apagamento, de um lado, nega-se a identidade cultural dos milhares de brasileiros que vivem e praticam o esporte; de outro, abre-se espaço para que marcas internacionais ocupem esse vácuo com estratégias puramente comerciais.
A NFL não está errada em aproveitar a oportunidade. Mas o Estado brasileiro está ausente. E essa ausência permite que o futebol americano se desenvolva no país apenas como produto de consumo, não como prática esportiva cidadã, educativa ou comunitária.
Soft power esportivo: O Brasil como vitrine
A realização de jogos da NFL no Brasil faz parte de uma estratégia mais ampla de expansão global da liga. O objetivo é consolidar a NFL como marca internacional, abrindo novos mercados consumidores, vendendo produtos licenciados, direitos de transmissão e experiências premium. Isso é legítimo, mas o Brasil, nessa equação, é visto como vitrine, não como protagonista.
A lógica do “soft power” esportivo permite que ligas americanas se apresentem como símbolos de excelência e modernidade em países do Sul Global, enquanto os esportes locais continuam invisíveis, subfinanciados e precarizados. Essa assimetria tem impactos profundos, ela desvaloriza a produção esportiva nacional, cria dependência simbólica e econômica e relega os atletas brasileiros ao papel de coadjuvantes no seu próprio território.
E o futuro do esporte no Brasil?
A presença da NFL no Brasil é, sem dúvida, um marco. Mas se quisermos que esse marco seja um ponto de partida, e não uma fachada, é preciso agir de forma mais ampla. O entusiasmo com o jogo internacional precisa vir acompanhado de medidas concretas para fortalecer o futebol americano brasileiro.
Isso passa por políticas públicas de incentivo ao esporte amador, acesso a infraestrutura, formação de técnicos, capacitação de árbitros, programas escolares, parcerias universitárias, inclusão social e, claro, investimentos reais, públicos e privados, nas ligas nacionais.
Se a NFL deseja conquistar o coração dos brasileiros, não basta descer do avião em setembro e partir no dia seguinte com os lucros. É hora de pisar no campo onde o jogo de verdade acontece todos os dias, longe das câmeras, mas perto de quem faz o esporte sobreviver, mesmo quando ninguém está olhando.