No dia 14 de junho, o DC Defenders atropelou o Michigan Panthers por 58-34 e levantou o troféu da UFL diante de apenas 14.559 torcedores no The Dome at America’s Center, em St. Louis. Na TV aberta (ABC), a decisão ficou na casa de 0,98 milhão de espectadores, menos de 1% da audiência do último Super Bowl, que bateu 123,4 milhões de pessoas.
A discrepância resume o desafio da United Football League, criada em 2024 a partir da fusão entre XFL e USFL, existe apetite por “futebol americano de primavera”, mas ainda falta tempero suficiente para tornar o prato apetitoso o ano inteiro.
Raízes - A liga precisa desenvolver
A NFL carrega quase um século de histórias, enquanto o College Football abastece essa mitologia com rivalidades centenárias como Michigan-Ohio State, Alabama-Auburn, etc.
Essas memórias são transmitidas de geração em geração, criam identidade regional e fazem do domingo um ritual quase religioso.
A UFL nasceu sem esses alicerces. Suas franquias trocam de cidade, de nome e até de liga com frequência. Títulos, recordes e ídolos ainda não significam nada para o grande público. Sem passado, é difícil pedir paixão.
Personagens movem narrativas – E eles faltam
Mesmo quem acompanha a NFL de longe conhece Patrick Mahomes ou Joe Burrow, no College, acompanhamos futuros astros desde o recrutamento. Já na UFL, a maioria dos elencos é formada por “segundas chances”, jogadores que rodaram em practice squads da NFL ou saíram da faculdade sem holofotes.
A exemplo disso, Jordan Ta’amu, MVP da final, é um bom quarterback, mas não uma marca global. Sem nomes reconhecíveis e sem continuidade de elenco, o torcedor raramente cria vínculo afetivo com a camisa.
O espetáculo importa tanto quanto o esporte
A UFL até apresenta boas ideias dentro de campo. Suas regras alternativas como conversões de três pontos, substituição do onside kick por uma quarta descida arriscada e um formato diferente para os kickoffs deixam o jogo mais dinâmico e imprevisível. Mas só isso não basta. O que realmente falta à liga é o cuidado com o espetáculo.
A experiência do torcedor, tanto nas arquibancadas quanto em frente à televisão, ainda é pobre. Os estádios costumam ter muitos espaços vazios, o que afeta diretamente a atmosfera das partidas. Falta barulho, falta calor humano, falta aquela energia contagiante que transforma um jogo em evento.
Na televisão, a diferença fica ainda mais evidente. As transmissões da UFL são básicas, com menos câmeras, menos recursos gráficos e quase nenhum investimento em narrativa.
Ao contrário da NFL, onde cada jogo parece um verdadeiro filme de ação, com ângulos cinematográficos, gráficos de última geração e storytelling forte, a UFL ainda oferece algo mais próximo de uma prévia de treino televisionado.
Essa diferença no “pacote” faz muita diferença. Porque, no fim das contas, o futebol americano também é entretenimento. E enquanto a NFL entrega um espetáculo completo, a UFL ainda soa como um produto inacabado.
Concorrência pesada e calendário ingrato
A UFL escolheu atuar entre março e junho, o chamado "período morto" da NFL, acreditando que poderia preencher o vazio deixado pelo fim do Super Bowl. A ideia faz sentido no papel, mas na prática o cenário é mais complicado. Esse intervalo do ano está longe de ser calmo no calendário esportivo dos Estados Unidos.
Logo em março, o March Madness do basquete universitário domina completamente as atenções, com jogos emocionantes que param o país e movimentam bilhões em apostas.
Quase ao mesmo tempo, a MLB inicia sua temporada com o Opening Day, atraindo torcedores ávidos pelo retorno do beisebol.
Para completar, NBA e NHL entram nas fases decisivas de seus campeonatos, com playoffs que concentram atenção da mídia e do público. Ou seja, em vez de encontrar um terreno livre, a UFL disputa espaço em meio a gigantes.
E mesmo fora dos gramados, a NFL continua presente. O noticiário esportivo segue girando em torno da liga, com cobertura intensa da free agency, especulações sobre o Draft, entrevistas em minicamps e análises que mantêm os fãs engajados o ano todo.
A UFL tenta ser relevante, mas muitas vezes simplesmente desaparece em meio a esse ruído.
Laboratório ou espetáculo de massa?
Diante de tudo isso, talvez a verdadeira vocação da UFL esteja menos em competir diretamente com a NFL e mais em servir como um laboratório, um campo de testes para novas regras, formatos de jogo e, principalmente, uma vitrine para jogadores que ainda buscam espaço no cenário profissional.
E nisso, a liga até tem mostrado valor, nomes como Brandon Aubrey, por exemplo, passaram pela USFL antes de conquistarem um lugar no elenco do Dallas Cowboys.
Mas se a ambição for maior, se o objetivo for consolidar a UFL como um campeonato com apelo nacional e relevância cultural, o desafio é bem mais complexo.
Para isso, a liga precisará construir identidade própria e investir em pilares fundamentais, criar vínculos locais entre franquias e torcedores, garantir continuidade para os principais jogadores, profissionalizar a produção audiovisual e desenvolver narrativas que envolvam o público durante todo o ano, não só durante a temporada.
Sem isso, a UFL corre o risco de continuar como um produto de nicho, útil apenas como trampolim individual, mas incapaz de gerar paixão coletiva. E no futebol americano, sem torcida, não há liga que sobreviva por muito tempo.
Lições para um futuro possível
Ser a “mini-NFL” não basta. A liga precisa oferecer algo que a NFL não tenha, acesso barato ao estádio, interatividade em tempo real, aproximação com jogadores ou mesmo regras radicais que jamais passariam na NFL.
Autenticidade é o atalho mais curto para a relevância.
Enquanto isso não acontecer, finais em junho continuarão passando despercebidas, por mais espetacular que seja um passe de Jordan Ta’amu pelo meio da secundária.