Na última terça-feira (4), Florida State, Clemson e ACC bateram o martelo: as duas faculdades decidiram permanecer na conferência para os próximos anos após acordo com a ACC.
Rich Barnes/USA Today Sports
O acordo envolveu duas mudanças. A primeira foi a mudança na distribuição financeira do contrato de TV. Antes dividida igualmente entre todas as universidades, salvo exceções, o novo modelo irá priorizar audiência nos jogos e desempenho esportivo. A diferença econômica entre os melhores e piores times deve ficar em torno de 15 a 35 milhões de dólares por ano. A medida surge com o propósito de diminuir a disparidade econômica das principais faculdades da ACC contra times da Big Ten e da SEC, cuja estimativa gira em torno de 30 milhões de dólares por ano.
A outra alteração envolve os direitos de imagem da ACC e do preço para sair antes do contrato acabar. Todas as faculdades possuem sua imagem vinculada à conferência até 2036, e foi justamente ela que motivou ações judiciais por parte de Clemson e FSU. Sem esperar a decisão dos tribunais, foi fixado valor de 165 milhões de dólares para quem quiser da ACC sair a partir de 2026. Os valores caem em 18 milhões de dólares a cada ano até 2030-31, quando estabiliza em US$ 75 milhões. Com a pacificação, as duas faculdades se comprometem a retirar as ações judiciais contra a ACC, assim como a ACC também irá retirar sua ação judicial contra as faculdades.
Como chegamos até aqui
Tudo começa com o realinhamento das conferências. Até 2021, havia o conceito de Power Five, com a presença de cinco conferências mais fortes sobre as outras (ACC, Big 12, Big Ten, Pac-12 e SEC) e com relativo equilíbrio entre elas. Porém, com a saída de Texas e Oklahoma pra SEC e o desmantelamento da Pac-12 (perdendo seus principais times pra Big Ten), Big Ten e SEC se tornaram as duas grandes conferências do esporte universitário. A Big 12 sobreviveu com adesões de programas médios e a Pac-12 desapareceu como uma grande conferência (ela ainda existe, mas terá importância muito reduzida a partir de 2026, quando voltará a ter competições).
A ACC, nesse processo, caminhou lateralmente. Não perdeu ninguém e ganhou três programas apenas médios hoje em dia: dois da Pac-12 em busca de refúgio (California e Stanford) e SMU, que aceitou sair da American abrindo mão de todas as receitas de TV pelos próximos 10 anos.
O problema, porém, residia no patamar financeiro dos contratos firmados por ESPN e Fox com SEC e Big Ten, respectivamente, com pagamentos muito superiores ao das demais conferências, incluindo a ACC. Com a tendência das disparidades aumentarem de SEC e Big Ten pro resto, o melhor caminho visto por alguns grandes programas da ACC foi… tentar pular no bote. Florida State, Clemson e outras universidades começaram a buscar alternativas para deixar a ACC, mas esbarraram em um contrato de TV que vai até 2031 e um contrato de direitos de imagem que vai até 2036, com cláusulas muito difíceis para saída e valores financeiros considerados exorbitantes e pouco clarificados em caso de rompimento de contrato.
Nesse sentido, Florida State, ainda em meados de 2024, foi a primeira a entrar com ação judicial contra a ACC, alegando que os valores para a saída eram exorbitantes e até mesmo “desleais”. Meses depois, Clemson tomou a mesma medida. O processo se arrastou em torno de 14 meses. Sem sinais de um veredito e sem uma perspectiva aberta de adesão de novos programas por parte de SEC ou Big Ten (lembrando que alguns times, como Oregon e Washington, não recebem os valores integrais da TV como as demais equipes no contrato atual), a saída foi fazer um acordo que satisfaz temporariamente todos os lados.
Caso vencesse a batalha judicial, Florida State estaria livre do acordo com a ACC e poderia ingressar em outra conferência sem ter que pagar multas pela sua saída, o que abriria precedente para outras faculdades fazerem o mesmo e, no limite, poderia causar a implosão da ACC.
O que significa esse acordo na prática?
O acordo derruba a última grande peça do tabuleiro do realinhamento desta década, iniciado em 2021 com as idas de Oklahoma e Texas para a SEC. A ACC era a única grande conferência a não ter feito movimentos significativos: ganhou apenas programas medianos, viu uma rival sumir (Pac-12), a outra diminuir de tamanho (Big 12) e ficou pra trás na relação de forças para Big Ten e SEC. Na prática, só resta ainda a briga entre Pac-12 e Mountain West, que também é alvo de ação judicial por parte da Pac-12 pelas multas consideradas exorbitantes que a Mountain West quer cobrar pela saída de cinco dos seus programas. Porém, essa já é uma briga de nanicos e é tema pra outro texto.
Para compreender a razão de todos se movimentarem da mesma maneira, anote o ano de 2030. Será neste período que o realinhamento de conferências deve apitar novamente. O contrato de TV da Big 12 encerra em 2031, mesmo ano em que termina o contrato da ESPN americana com o College Football Playoff. Os contratos da SEC e da Big Ten terminam entre 2030 e 2034, o que abre caminho para a formulação de novos contratos e novas adesões de universidades.
Sabendo disso, todos os lados agiram de acordo. A ACC ganhou estabilidade temporária para se preparar para o futuro e sabe que será muito difícil manter programas do calibre de Clemson e Florida State no seu guarda-chuva. Na maioria das vezes no esporte universitário, a distribuição desigual das verbas de TV antecedeu saídas daqueles que mais eram beneficiados por esse modelo.
Afinal, melhor do que ser bem pago numa conferência menor é receber mais dinheiro no próximo contrato de uma conferência maior. É o caso recente de Texas e Oklahoma em direção à SEC, de Texas A&M fazendo isso na década passada e criando condições para competir com a irmã maior que entraria anos depois, entre diversos outros casos. É ruim para a ACC? Sem dúvida. Porém, é melhor ter a situação pacificada no momento e aproveitar enquanto dá do que perder uma ação judicial e correr o risco da conferência se desmantelar. A Pac-12 está aí como exemplo do que não fazer.
Pras universidades mais fortes da ACC, que não sabem se as outras conferências (Big Ten e SEC) e, principalmente, as emissoras de TV estão interessadas em novas adições agora, melhor ficar como está e aproveitar temporariamente as vantagens oriundas da reestruturação de contrato. Dirigentes de Clemson estimam uma receita adicional de 120 milhões de dólares com as mudanças feitas no novo acordo pelos próximos 6 anos. Além disso, a precificação da saída é uma ótima sinalização para as emissoras de TV, que agora sabem publicamente quanto é necessário para tirar uma universidade da ACC, e podem escolher até o ano em que pretendem fazer tal opção.
As universidades menores, como Wake Forest e Boston College, acabaram por pagar o pato nessa discussão, já que inexoravelmente irão receber menos: são programas com muito menos audiência e seus resultados esportivos pouco exuberantes certamente não farão os caixas encherem. Porém, esse cenário ainda é melhor do que um desmantelamento da conferência e ficar sem ganhar nada por isso. Ninguém quer ser Oregon State ou Washington State, as faculdades abandonadas no desmantelamento da Pac-12.
E o futuro?
Não se trata de opinião: o futuro do esporte universitário como um todo está 99% nas mãos de SEC e Big Ten nesse momento. Elas já irão ditar sozinhas como será o College Football Playoff a partir de 2026, mas pra além disso, em razão do imenso poder que possuem, também se comportam em diversos aspectos como uma vanguarda do que virá.
O mais provável é que, mais uma vez, os principais programas fora do eixo Big Ten-SEC sejam absorvidos no próximo realinhamento. Na ACC, seriam alvos Clemson, Florida State, Miami, North Carolina, Duke, Virginia e alguns outros. Na Big 12, alguns programas médios, como Kansas, Oklahoma State, Utah e Texas Tech também poderiam receber atenção.
A grande questão é qual a direção que Big Ten e SEC querem tomar com alguns programas que já fazem parte delas e que pouco acrescentam na parte esportiva. Na Big Ten, Northwestern, Rutgers e outras desempenham abaixo esportivamente de forma consistente, e na SEC o mesmo vale para Vanderbilt, Mississippi State e cia. Claro que todas elas sempre tiveram um motivo para ali estar: Mississippi State foi uma das fundadoras da SEC, Vanderbilt é a reserva acadêmica da conferência e Rutgers foi colocada para permitir um alcance da Big Ten na região de Nova Iorque, já que teria um time na região.
Em ocasiões normais e como regra ao longo da história, esses patinhos feios foram carregados junto e, mesmo tendo equipes verdadeiramente atentatórias ao esporte, recebiam praticamente o mesmo na grana que Alabama ou Ohio State.
Porém, com as conferências crescendo, torna-se cada vez mais difícil uma emissora de TV aceitar tranquilamente uma expansão indefinida de integrantes. Cada equipe adicionada representa um montante anual considerável, sem que necessariamente mais jogos signifiquem mais audiência em números. E aí o cálculo começa a ficar mais racional: será que vale a pena continuar pagando o mesmo valor pra Vanderbilt e Alabama? Ou pra Northwestern e Ohio State? Ou mais: será que vale a pena ter Vanderbilt e Northwestern nesse pacote?
E aí existem duas alternativas: pagar menos pros programas menores ou simplesmente não pagar mais nada pra eles.
Ué, como assim?
Se você pensou “mandar esses times fracos embora”, acertou. Só há um problema: isso exigiria movimentações praticamente inéditas. É muito raro um time ser chutado da sua conferência só por ser ruim. Um raro caso onde isso aconteceu foi com Temple em 2004, que passou mais de 20 anos sendo o time bônus da Big East - o equivalente a enfrentar o New York Giants em 2024. Tudo isso pra ser desesperadamente chamada em 2012 pra salvar a conferência (não deu certo: ela acabou no futebol americano ainda naquele ano e talvez você nunca tenha ouvido falar dela). Uma movimentação dessas representaria, definitivamente, o espírito de um novo tempo para o futebol americano universitário. Um college football em que os jogadores já são pagos, podem se transferir pra onde quiserem e quantas vezes quiserem (tem jogador indo pra sua 5ª faculdade já).
Na minha visão, e com base no que leio dos insiders americanos, há duas possibilidades colocadas. A primeira seria a formação de uma divisão própria com Big Ten e SEC, talvez incluindo ACC e Big 12 (em um modelo desses, não descartaria uma fusão entre elas). Nesse modelo, haveria em torno de 70 times já se separando em uma divisão própria em relação ao Group of Six (grupo de conferências mais fracas que agora também inclui a nova Pac-12). Seria uma mudança ainda menos radical que a seguir, com um modelo de College Football Playoff ainda semelhante ao que vemos hoje.
A segunda possibilidade seria a formação de uma liga própria com cerca de 40 times, semelhante em vários aspectos à NFL (inclusive, já há discussões sobre “teto salarial” no college football). Big Ten e SEC remontariam AFL e NFL e seriam as duas grandes conferências do futebol americano universitário, podendo inclusive criar seu próprio playoff e definir seu campeão com base nas suas próprias regras. Esse seria um modelo mais radical. Iria requerer a expulsão de programas mais fracos e sem condições de competir em alto nível, como Vanderbilt e Northwestern, que seriam substituídos por programas fortes da ACC e da Big 12 que a TV achar conveniente. O que sobraria de ACC e Big 12 seria descartado para um nível inferior. É um plano ousado, mas que, acredite, está sob a mesa dos comissários da Big Ten e da SEC como uma possibilidade real. O debate que ficaria seria a possível viabilização da expulsão de programas notadamente fracos e sem condições de competir, o que exigiria muita habilidade política.
E as demais conferências? Bem, elas têm pouco poder nesse debate. Elas não dão as cartas e, na maior parte dos casos, terão que esperar SEC e Big Ten se movimentarem. Pras conferências do Group of Five e das divisões inferiores, isso nunca foi uma novidade. A cisma fica pra ACC e Big 12, que nunca imaginaram que talvez esteja chegando a vez delas ficarem para trás.